sexta-feira, fevereiro 14

Conto - Ela Se Tornou o que Sempre Foi, o Ar.

Há muitos dias nós todos nos preocupavamos em saber como ela estava
Não aparecia há dias, não dava noticias ao resto
Para quem nunca faltara em um concreto
Para quem sempre dedicou a vida por completa à arte, algo de estranho deveria de ser
Eu há muito tempo, quase sete anos, sempre fiz toda a parte de ajuda-la em tudo
No seu dia a dia, para acordar, para trabalhar, comer, dormir, comprar. Eu estava lá
Ajudava ela em tudo que queria, que precisava, que sonhava e buscava ter
Era seu "faço o que posso e não posso" pessoal. Mas nunca reclamei
Nada me dava mais prazer na vida do que servi-la em toda e qualquer vontade

De um certo tempo pra lá, conto por volta de 8 meses, eu notava que a cada dia que terminava
Ela se mostrava menos animada, com menos vigor, com pouca luz
Mas mesmo assim não parou por qualquer instante de ser alguém de quem
Quando se estava perto nos fazia sentir  afrontados pela sua grandiosidade contida
Cada qual que fosse, sempre que a via de perto sentia sua grande presença e queria te-la
Em vão
Ela estava a se deteriorar.


Comecei a trabalhar para ela por volta de oito anos atrás, e no começo me era muito estranho
Ela nunca fora uma mulher comum, isso, qualquer que seja o qual a conheceu sabe bem disso
Sempre gostei das artes e quando recebi de seu próprio interesse poder ficar junto dela foi...
Tinha apenas 21 anos, estava em um dia frio bebendo um expresso em uma lanchonete decaída
Pensava eu no que iria fazer da minha vida, tinha todos os planos e nenhum modo de concretizar
Andava péssimo de muitos meses até lá, apenas até aquele dia - A vi.
Ela entrou no local, um tanto úmida pela chuva. Sentou e tirou a blusa de cima
Colocou ao seu lado. A garçonete parou ao lado dela e anotou o pedido
Ela não olhava para a frente, olhava apenas para si mesma, como se quisesse ver seu interior
Sempre que lembro dessa visão tenho a certeza de que ela queria ver por certo seu corpo, e só.
O pedido dela foi leite quente com açucar. Fervendo. Um pedaço de bolo
Futuramente eu os iria preparar, mas ainda não sabia nada disso.
Não conseguia parar de olhar ali a minha frente; sentada; quieta e bebendo vagarosamente
Em sua grande percepção ela notou que eu a fitava com os olhos poucos metros dali
Sem fazer o mínimo gesto de espanto, se levantou calma, veio até minha mesa
- Você gosta de mim?
Oito milhões de medos e felicidades me passaram ao corpo em segundos, e respondi tão criança
- Muito, mas desculpe se lhe incomodei olhando.
Seu rosto era perfeitamente linear, era como olhar para o céu noturno
Completamente limpo, puro e vazio
- Quero que você more comigo. Preciso. Acha que pode fazer alguma util coisa por mim?
Perdi meu tempo em segundos tentando me apresentar como um admirador de arte para ela
Ela não tinha qualquer interesse em me ouvir. Colocou uma nota sobre a minha mesa
Num gesto de pagar o que eu havia tomado, e como um convite a segui-la a partir dali
A partir daquele dia. Daquela vida futura. Meu EU que conhecia acabou quando sai de lá.


-


Anos ao seu lado, morando com ela. Tudo do todo que havia sonhado para mim tinha mudado
Nada eu queria ser e ter mais do que estar ali
Sempre com ela, ajudando no que ela precisasse. Era seu, de todo.
Virava as noites passando seus textos a limpo, corrigindo faltas do que achava precisar
~Logo ela me dizia que era pra ser como estava lá, e eu notava que era mesmo melhor.
Fazia seu almoço, comprava suas necessidades da casa, arrumava o que fosse - Vivia para ela.
Em troca tinha um salário que não posso negar ser bem pago
Pórem, não era isso que me fazia ali morar, nem o que me estimulava trabalhar.
Era o ali, o assisti-la. Ve-la ensaiar, escrever, dançar, e muitas, muitas vezes, chorar.
Creio que desde o dia que estive com ela de primeira, em todos ela chorou.
Nunca soubera do que realmente era. Mas sempre soube que alguém lhe faltava no coração.

Por tantos anos conviver com ela ali, sempre me foi sem mostrado, sem esforço de esconder
Que seus hábitos de vida não eram lá nem um pouco saudáveis.
Trabalhava muito, bebia demais e nunca dormia. Ao menos não por completo. Um sono puro.
Via o seu sofrimento, apesar dele ser de grande competência na arte, aflorar a cada dia
E pelo final desses dias começaram se fazer presentes a todo instante.
Em certos momentos passados, conversando com ela nós riamos um tanto. Ela, nunca muito.
Comiamos muito bem até nos encher, discutiamos alguns fatos do mundo artistico
Certas vezes até em viagens que a acompanhava, faziamos fotos memoráveis
Ela sempre fotografou o Céu.
Quando o fazia, pudia notar em seus olhos que lá ela queria vagar.

Porém, de alguns meses pra cá sua presença em sua própria casa estava quase invisível
Ela acordava quando já era quase tarde, comia sem quase falar nada
Escrevia muito a todo tempo e quase mais nada me deixava ler. Escrevia e os rasgava
Sua tristeza começou a aumentar a cada noite.
Eu a via chorar baixo do lado de fora do alto da varanda. Algo mais forte estava lhe acontecendo
Começou a dormir muito, horas e horas
E quando eu ia lhe acordar, ela se virava para o outro lado sem querer falar
Eu fechava as cortinas porque ela me pedia não querer luz no quarto.
Deixava algo ao seu lado para depois quando quiser se alimentar.
Sempre que voltava a comida ainda estava lá. Pouco mexida ou intacta.
Era um grande motivo para eu me preocupar.
Não conhecia quase ninguém tão próximo dela.
Uns amigos famosos de trabalho e uma amiga unica amiga de infância, Julia.
Quando liguei para ela contando do que estava acontecendo, ela ficou alguns segundos calada

- É... até que demorou para isso começar a acontecer. Mas já era de se esperar, Não tente convence-la de melhorar ou sair disso, ela não vai. Aceite e a ajude no que precisar. - Desligou

Não entendi o porque nem do que ela falava, apenas tive a certeza então de que não poderia fazer muita coisa, apenas continuar ao seu lado o tempo que fosse de me restar.

Numa manhã de sexta-feira, por volta das 6am sai para comprar frutas e outras coisas
Estava chovendo muito, e um vento que faziam telhados levantar.
Coloquei meu sobretudo e sai em meio o temporal, fiz as compras e me atrasei muito por conta do volume de água que os céu mandava para baixo.
Quando cheguei, coloquei as sacolas umidas no chão, enfiei minha mão molhada dentro do bolso e encontrei a chave gelada. Abri a maçaneta e peguei as sacolas todas.
Coloquei-as em cima da mesa e fui até o quarto falar com ela para ir almoçar; Ela não estava lá
Vi pelo banheiro, a sala, a área e não a encontrei.
O vento estava muito frio e forte dentro do apartamento
Percebi que a varanda estava com a porta de vidro por completa aberta
Ela estava deitada no sofá do lado de fora da lá - Linda, tranquila e fria
Sua vida tinha acabado ali;
Não fora por se matar, algo tinha nela acabado antes disso
Peguei seu corpo leve, mesmo que sem vida e levei para dentro. Observei ali por muito tempo
Sabia que em breve nunca mais iria com ela morar, nem mais a olhar.


Seu enterro foi no mesmo dia, o chuva era completamente intensa e devastadora
As gostas nos faziam machucar mesmo por cima das roupas
Alguns amigos, alguns parentes distantes, alguns amantes.
Muitos choraram, poucos realmente estavam a se importar.
A tarde começou a terminar e o Céu se fez escurecer. Foram todos embora
A caixa onde ela estava era forte e escura, e agora, para sempre ela moraria lá
Então eu a vi ali pela ultima vez.


-


Ninguém reclamara seus pertences
Ninguém viera buscar fotos ou lembranças de um passado
Algumas notas sobre sua arte e morte sairam em jornais, nada notável
Ninguém me procurou para saber quem era então o homem que junto dela sempre estava.

Eu continuei vivendo ali, anos e anos. Com todas as suas coisas, com sua sala cheia de artes
Seu quarto grande e vazio. Suas roupas perfumadas como ela sempre havia de estar



Não havia o porque nem como eu querer ali deixar
Ela sempre vivera lá

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