sexta-feira, maio 23

Analisando Átomos


  Sua vida começou - ai está o som de um retroprojetor rodando
Antes de você, antes de todos que lhe trouxeram até aqui, galáxias explodiram
Estrelas nasceram, o Sol ficou mais frio e mesmo assim a vida sempre continuou
Você agora mora nesse mundo, assista sua curta e medíocre vida perante tudo isso
É um bebê deitado dentro de seu berço temendo a tudo o que o cerca e chora para poder comer
É uma criança sentada em seu quarto com medo da morte de seus pais após ter descoberto o que é morrer, Rindo de bolhas de sabão, correndo sem nunca cansar, colorindo o mundo com uma caixa de lápis de cor, Encantada com um avião a decolar, com uma dor inconsolável por ver um passarinho morrer
Pintando os dedos dos pés, olhando as nuvens correr, sorrindo sem falsidade e desejando crescer
Agora és um adulto, um pobre, um diabo, um oco ser - Perdeu-se toda a certeza
Continua a assistir sua vida de dentro de sua janela, agora trancado, com medo, desconfiado do tudo
Cartas de um baralho de incertezas giram a sua volta, a profecia do incerto que você diz saber
Tenta-se pegar uma no ar, para que possa seguir de fato um caminho. Nada sabemos
Palavras de amor saem da sua boca e entram perfurando o coração de outra - Você está amando
Um dia, um abraço, alguns momentos juntos, um afagar nas mãos, o beijo, o esperar, planejar um futuro
Desperdiçando todo o tempo, assistindo aos filmes, decorando canções de amor, escrevendo cartas,
Tomando o corpo do outro como um alvo desejado - O  casamento; o amor eterno agora; a casa
A vida a dois; os filhos; os planos; as viagens juntos; a família
O cansar, a rotina; o acostumar a qualquer reação
As falhas, mentiras, desgostos -   Prometendo o que não poderá cumprir.
O amor acabou - Os amantes se separam em dor, em perda da total razão. Se foram as certezas
A vida te desperta te dando as cartas que tanto você queria
Seu peito agora falta um pedaço para sempre.
Fim de uma vida.
Sua mãe lhe consola, colocando as mãos idosas com textura já de papel sobre as suas que estão tremulas
Ela diz que você precisá recomeçar - É tudo tão escuro, difícil e vazio. Mas ela estará sempre lá
Apoiando você em tudo - O coração dela é um mar sem fim de um amor maternal.
Ela te promete sempre te apoiar, como sempre mesmo fez. Um dia ela também se vai
Seu peito agora é duro e frio, a perda de quem nos fez, de quem nos criou e tanto nos amou
Nosso apoio, nossa base, nosso pilar
Para onde se foi? Quem lhe tirou? Um eterno adeus a quem mais nessa vida te amou
Mais um buraco profundo existe agora em seu peito
Você sente o fim da tarde como um pesar melancólico e tão doloroso - A vida pesa; O mal estar
O por do sol dessa tarde ensolarada é mais triste do que qualquer dia de sua vida
O por do sol da própria alma. Não há nenhuma luz nessa escuridão
Isso lhe deixa para baixo, não há saída de si, não há tempo para analisar
Você desiste da vida que conhece, viaja para longe, encontra pessoas e vidas que nunca viveu
Todos se conhecem, se unem, se amam, se completam. Você não faz parte disso, não há vida ali
Sua vida não existe lá. Não há tempo. Você viajou para tão longe, o que encontrou?
Um trem que corre tão rápido não faz sentido para você, nenhuma paisagem mais lhe interessa
Longe de seus filhos, de sua casa, da mulher que amou. Outros demais talvez morreram

Você nunca esteve tão bonito - Perdeu-se toda ilusão, não está mais interpretando
A vida inteira esteve interpretando
Não há mais tempo para analisar
Então você olha a vida novamente pela sua janela, seja qual for
Do trem, do quarto, do coração e da vida.
Te pesa tanto as horas do dia. Agora você se conhece
Já amou, perdeu, sofreu, duvidou, criou e finalmente existiu
Abrindo o livro que tantos anos mofou na sua estante, então o lê - Ele é incrível!
Você deveria ter lido antes, há tantos anos; possivelmente tudo em sua vida seria diferente se tivesse lido
Então repouse com o livro ao seu lado, feche seus olhos, durma como uma criança cansada de brincar
Cansado então de viver
Mas esperando sempre poder acordar
A vida já não mais planeja o seu ser
E não se calculam álgebras
Não se contam mais os átomos
Não mais importa o correr dos ponteiros
O Sol ainda está ali
As estrelas irão esfriar
A poeira cósmica do todo da vida
Então durma
Você parou de interpretar.

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